Papel dos Estudantes no 25 de abril


Certo é que nos questionamos muitas vezes qual o nosso papel no Ensino Superior, enquanto Estudantes e, de um modo mais geral, na sociedade civil. Onde podemos ser úteis? Terão as nossas ações um impacto real ou serão ainda muito jovens as nossas vozes, faltando-lhes a autoridade da maturidade? Todos sabemos a importância que Alberto Martins, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC) da época, teve na luta pela liberdade quando, em 1969, pediu a palavra em nome dos Estudantes, mas saberemos a história de tantos outros Estudantes que fizeram desta luta a sua, na cidade de Lisboa? É com esse mote que hoje nos debatemos sobre o papel do Estudante na revolução de 25 de abril de 1974, focando-nos na sua influência para o contexto político do país e, mais concretamente, no impacto dos alunos da, à data, Faculdade de Medicina de Lisboa.


"Pergunto ao vento que passa, notícias do meu país"

É já dado adquirido que a contestação civil ao regime salazarista não irrompeu a 25 de abril de 1974, tendo sofrido avanços e recuos ao longo das décadas antecedentes. Com efeito, nos primeiros anos da década de 70, observa-se um agudizar da contestação da comunidade estudantil da atual Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, doravante designada FMUL. Verifica-se, em 1972, a continuação da greve às épocas de exames, causando o adiamento do começo das aulas para janeiro, pondo os Estudantes em causa os seus estudos pela luta contra a ditadura. O conjunto de ações reivindicativas, que tinham como um dos principais objetivos o fim da Guerra Colonial, gerou confrontos contra a polícia de choque, tendo os mesmos culminado no baleamento de vários Estudantes da FMUL, na Cantina Velha, entre os quais Luís Filipe da Silva Simões e José Manuel Casinhas Henriques Simões. Posteriormente, assiste-se também ao alvejamento de outro estudante de Medicina, ferido com 3 tiros na grande escadaria da FMUL. Tornava-se, assim, uma vez mais, óbvia a ânsia dos Estudantes por mudança. 

Ainda em 1972, é morto, a tiro, José Ribeiro dos Santos, aluno da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, durante uma reunião no Instituto de Ciências Económicas e Financeiras de Lisboa (ISCEF), atual Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG-UL). Sendo filho de um médico, a Ordem dos Médicos elabora um comunicado, anunciando “a morte de um Estudante”, sendo o mesmo difundido a todos os médicos da capital. Pouco depois, a PIDE assalta a Ordem dos Médicos e, tendo sido Isabel do Carmo, ex-aluna da Faculdade de Medicina de Lisboa, a escrever o dito comunicado, foi posteriormente identificada e presa pela polícia política. 


"Há sempre alguém que resiste, Há sempre alguém que diz não"

Recuando ao infâme ano de 1962 e à crise académica que o caracteriza, é a 9 de maio que os Estudantes concentrados na Cantina Velha entram em greve de fome, protesto sugerido por Eurico de Figueiredo, presidente da Comissão Pró-Associação dos Estudantes de Medicina de Lisboa e figura central desta crise que duraria até 4 de junho, até a polícia carregar sobre os Estudantes e professores da FMUL.


O envolvimento ativo na luta pela liberdade valeram a Eurico de Figueiredo o encarceramento na prisão política do Aljube, a 28 de maio, e a expulsão do Ensino Superior, medidas que foram rebatidas com um importante movimento de solidariedade estudantil que resulta na sua libertação. No entanto, e como seria de esperar, esse movimento não passa impune, tendo sofrido uma carga da polícia de choque, que dispersa os Estudantes que se manifestavam junto à Sé, seguindo estes até à Baixa, entoando “Liberdade! Autonomia!”. 


Também a já referida ex-aluna da FMUL, Isabel do Carmo, pelo seu historial de contestação contra o regime e de atividade comunista, fora proibida de exercer funções como docente da FMUL, por parte da PIDE, que considerou que a ativista “não dava garantias de segurança do Estado”, muito embora tenha sido proposta para a docência.


É, naturalmente, no seio da mocidade e de um ambiente francamente intelectual, onde ideias são debatidas livremente pelas mentes que anseiam a descoberta do mundo, que o espírito de revolta floresce com mais ímpeto, tornando-se assim as faculdades num centro de contestação. As reuniões clandestinas de académicos, cada vez mais frequentes, tomam relevo como espaços de livre pensamento. É em 1946, que, na sequência de uma dessas reuniões, a FMUL é cercada e assaltada pela PIDE. Surge então o Professor Luís Hernâni Dias Amado que, criando uma aula simulada, oferece refúgio para os alunos presentes na reunião, de modo que, à entrada da polícia na sala, a autoridade do Professor mascara qualquer intenção reacionária com uma simples aula de Histologia, à qual até Estudantes de Direito puderam assistir. Devido a esta insurgência e compactuação, vários professores são expulsos da FMUL, como Celestino da Costa, Dias Amado, Pulido Valente e Fernando Fonseca.


Também a AEFML foi afetada pela ditadura, tendo sido dissolvida em 1953 por ordem do Governo. Assim, continuou a sua luta pelos estudantes contra a expulsão de inúmeros docentes, com o nome de pró-associação, lutando pela sua legalização. Nunca tendo deixado de defender aquilo em que acreditava, a pró-AEFML fundou, em 1961, a Secção Editorial onde, com o disfarce de impressão das sebentas e teses de licenciatura da época, eram impressos panfletos contra o regime ditatorial, em copiógrafos que, de forma a evitar a sua confiscação pela PIDE, eram, por vezes, transportados para um armazém no piso 02, nas catacumbas do hospital, ou para o carro de algum dos estudantes.


Em 1973, os estudantes da FMUL foram mobilizados para uma Reunião Geral de Alunos (RGA), após a PIDE ter selado a sala da direção da pró-associação. Nesta RGA os estudantes decidem quebrar os selos e enfrentam ameaças de prisão. Após a PIDE retornar para o encerramento da sala com tijolos, os estudantes decidem partir o muro e continuam a usar o espaço, mesmo numa época onde os agentes da polícia política patrulhavam os corredores da FMUL.



O que nos ensina a História? Atualmente, as lutas são outras, mas são as nossas lutas, cabe-nos aprender com a história dos que vieram antes de nós, defender a liberdade através do debate e continuar o papel do estudante como revolucionário e movedor de causas.

E se fosses tu? Terias a coragem de te aliar aos teus colegas e lutar contra o regime que não via a meios para oprimir as tuas liberdades individuais?

Referências: https://www.youtube.com/watch?v=7CiM-pOsY-s https://www.aefml.pt/historia-da-aefml

https://www.museudoaljube.pt/2023/06/20/manifestacao-de-apoio-a-eurico-figueiredo/ 

https://www.ulisboa.pt/noticia/assinalam-se-os-50-anos-sobre-o-assassinato-do-estudante-ribeiro-santos-pela-pide https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/321/1/21725_ulsd058076_td.pdf




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