Origem do F.R.A.
Há Tradições Académicas que atravessam gerações sem que alguém pare verdadeiramente para pensar de onde vieram. O Grito Académico F.R.A. é uma delas: permanece vivo, vibrante e reconhecível, mesmo que poucos conheçam a sua origem ou compreendam plenamente o seu significado.
Usado há décadas nos mais variados contextos estudantis, o grito divide-se tradicionalmente em duas partes. A primeira é a dedicatória, momento em que a voz de comando desafia a assembleia com a célebre pergunta: “Então (malta), e para (inserir dedicatória)…não vai nada, nada, nada?”, ao que todos respondem com um sonoro “Tudo!”. A provocação repete-se, a resposta também, num jogo de chamada e eco que cria o ambiente certo para o que vem a seguir. Entra então a segunda parte, a aclamação, conduzida por quem, com “cagança” e “pujança”, anuncia a chegada do F-R-A e desencadeia a sequência das vogais FRA, FRE, FRI, FRO e FRU, repetidas pela assembleia, até culminar na explosão final de “Aliqua, chiribiribi-tá-tá-tá-tá, hurra!”.
O formato tradicional segue, em essência, esta estrutura:
- Então (malta), e para (...) não vai nada, nada, nada, nada?
- Tudo!
- Mas mesmo nada, nada, nada, nada?
- Tudo!
- Então, com toda a cagança, com toda a pujança (e outros dizeres) (...), aqui vai/sai um...F-R-A!
Segue-se a aclamação:
- Frá!
- F-R-E!
- Fré!
- F-R-I!
- Fri!
- F-R-O!
- Fró!
- F-R-U
- Fru!
E finalmente, todos em uníssono:
- FRA, FRE, FRI, FRO FRU
ALIQUA, (a)liquá, (a)liquá
CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ (2x)
HURRA, HURRA, HURRA!!!
Para além do formato tradicional, o Grito Académico F.R.A. conheceu, ao longo das décadas, variações e adornos que refletem a criatividade e identidade próprias de cada grupo estudantil. De facto, alguns grupos estudantis como a Estudantina Universitária de Coimbra, bem como diversas Casas, incorporaram preâmbulos característicos, funcionando como elementos distintivos da identidade e tradição. Entre os mais conhecidos encontram-se invocações como “Aos canhões? PUM!” ou “Às espadas? Tchim tchim tchim!”. Estas variações não alteram a essência do F.R.A., antes enriquece a sua tradição, mostrando que a força das vivências académicas reside precisamente na capacidade de cada geração ou grupo lhe imprimir um traço próprio, mantendo vivo aquilo que é comum a todos.
Na realidade, por detrás desta manifestação ruidosa esconde-se uma história mais profunda do que a maioria imagina.
Em 1937, Divaldo Gaspar de Freitas, então quintanista da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (UC), aprendeu um antigo grito académico brasileiro trazido por uma delegação de estudantes do Brasil, alojados na famosa República dos Kágados. Este grito incorporava a sigla codificada F.R.A (Frente Republicana Académica Anti-Getúlio Vargas), originalmente dirigida contra o regime de Getúlio Vargas, que chegara, em novembro de 1937, à presidência do Brasil através de um golpe de estado. Após utilizá-lo ocasionalmente nos jogos do clube de Cantanhede, na noite de 26 de maio de 1938, Divaldo ensaiou os colegas quintanistas, levando-os a bradar furiosamente o F.R.A. no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. No dia seguinte, o grito ecoava já na Queima das Fitas por todos os cursos. A partir daí, num movimento imparável, integrou-se naturalmente em várias vertentes do quotidiano académico e por vários contextos, destacando-se particularmente no futebol, onde se tornou presença habitual nos jogos da Briosa como forma de incentivo.
Mais tarde, durante a Crise Académica de 1969, a sigla F.R.A., remetendo à sua origem brasileira anti-Vargas, foi reinterpretada como uma forma de contestação ao Estado Novo, ecoando possíveis influências de grupos como a Frente Revolucionária Académica ou a Falange de Renovação Académica.
É exatamente a multitude de contextos em que foi bradado o F.R.A. e a sua capacidade de ser simultaneamente celebração, protesto e identidade que justificam a sua perpetuação e permanência ao longo do tempo na Tradição Académica.
O termo “ALIQUÁ” tem raízes no latim, derivando do pronome indefinido aliquis (“alguém”, “algo”, “algum”) que podia funcionar tanto como substantivo como adjetivo.
No contexto do grito académico, “ALIQUÁ” pode funcionar como uma invocação estilística destinada a concentrar a atenção da assembleia, mas existem também teorias que apontam para uma origem mais popular, possivelmente herdada de “Aléguá”, um grito de alegria das claques brasileiras, ou até de uma expressão crioula semelhante (embora esta última seja considerada menos plausível).
Curiosamente, o próprio “Aléguá” pode ser uma evolução de um antigo cântico de claque criado por Olavo Paes de Barros e Renato Miranda para o Club Athletico Paulistano, combinando diferentes idiomas: “Allez” do francês, “Go” do inglês e “Hack”, que algumas fontes relacionam com um termo indígena (ack). O resultado é uma cadeia de influências linguísticas e culturais que, por vias inesperadas, encontra eco no nosso “ALIQUÁ” académico.
Outra curiosidade deste grito é o célebre “chiribiribi-tá-tá-tá-tá”, expressão que tantos repetem sem nunca imaginar a sua origem. Ao que tudo indica, trata-se de uma referência direta a uma marcha carnavalesca de 1936, “Chiribiribi Quá-Quá”, composta por Ary Barroso em parceria com Nássara e interpretada pelo grupo Bando da Lua (link). A ligação faz todo o sentido, especialmente tendo em conta que, no início do século XX, muitas festividades estudantis eram verdadeiros “Carnavais de Estudantes”, onde música, sátira e folia se misturavam naturalmente. Assim, este refrão, aparentemente absurdo, encaixa na perfeição no espírito festivo e irreverente do grito académico, funcionando como um vestígio vivo dessa herança carnavalesca.
Por fim, há o famoso foguete “chhhhhh… PUM!” imaginário que encerra o grito com um estrondo simbólico. Curiosamente, trata-se de uma adição bastante recente, uma espécie de epílogo festivo que cada grupo académico executa à sua maneira. Na nossa Casa, porém, não se realiza este foguete imaginário, mantendo-se o grito isento deste epílogo festivo.
Assim, o F.R.A. não é apenas um grito, é uma herança viva, um pulsar coletivo que atravessa épocas, regimes, nações e gerações, carregando consigo a coragem e a alma vibrante da Academia. Cada “Frá!”, cada “Aliquá!”, cada explosão de energia que dele irrompe é o eco de tantos que, antes de nós, fizeram da vida estudantil um território de identidade, luta, humor e celebração. E é por isso que, ainda hoje, quando o bradamos em uníssono, sentimos mais do que entusiasmo: sentimos pertença. Porque o F.R.A. não se explica apenas - vive-se. Por isso, enquanto houver estudantes capazes de rir, vibrar e erguer a voz com toda a “cagança” e “pujança”, ele continuará a ressoar, eterno, no coração da Tradição Académica.
Então (malta)… e para este post não vai nada, nada, nada?
— Tudo!
Referências:
Becker, Laércio (2012). Do Fundo do Baú: Pioneirismos no Futebol Brasileiro. Curitiba: 2012
Notas&Melodias: Notas sobre O Grito Académico "F.R.A."
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