A Mulher no Ensino Superior

    Corria o ano letivo de 1891/1892 quando foi admitida a primeira mulher na Universidade de Coimbra - Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho. Licenciou-se em Matemática, Medicina e Filosofia. Médica e, mais tarde, diretora do primeiro liceu feminino do país - o Liceu Maria Pia, em Lisboa - tornou-se uma das primeiras três deputadas eleitas em Portugal. Foi também poetisa, sócia da Academia das Ciências de Lisboa e vogal do Conselho Superior de Instrução Pública. Como condição para a sua admissão neste orgão, e obrigada pelo reitor da UC, teria de se vestir sempre de negro e de um modo sóbrio, para que não se sobressaíse entre os seus colegas, que trajavam obrigatoriamente de capa e batina abotoada.

    Com o evoluir da sociedade e com a entrada de mais mulheres no ensino superior, surgia a discussão em torno do traje feminino. Apesar de o traje ser algo tão simples, foi algo que, no que toca à versão feminina, gerou muita controvérsia. A verdade é que, inicialmente, o direito de acesso ao ensino superior era exclusivo dos homens, sendo incumbido às mulheres o cuidado do lar e das crianças.

    Apesar de os restantes países da Europa terem evoluído para trajes universitários unissexo, em Portugal mantinha-se, até à década de 40, a resistência a essa mudança por parte do Ministério, argumentando que esse não seria um aspeto pretendido pelas estudantes. Posto isto, as estudantes da Universidade de Coimbra começaram, de forma não oficial, a adotar trajes inspirados nos trajes femininos dos liceus do Porto e Coimbra.

    Sucede-se que o modelo de traje feminino vinha a ser oficialmente decidido em 1954 pelo Magno Consílio de Veteranos (MCV) da Universidade de Coimbra. Esta decisão, tomada somente por homens e sem consulta de qualquer mulher, em nenhum momento do processo, vinha a ser comunicada por “decretvs” pouco antes da Queima das Fitas de 1954, obrigando todas as mulheres a seguir este novo modelo de traje para que pudessem usar o grelo e as fitas na pasta. Esta medida gerou uma grande onda de descontentamento entre as alunas, não só por o modelo não as agradar, mas, principalmente, pela sua obrigatoriedade ter sido imposta por homens. Mais especificamente, um dos maiores descontentamentos foi a introdução das meias altas pretas, visto que as estudantes preferiam não vestir meias (que era o mais comum no seu dia-a-dia) ou então usá-las transparentes. Consequentemente, na segunda metade da década de 50, como forma de protesto, as alunas da UC pintavam riscos pretos na parte de trás das pernas para simular o uso das meias impostas pelo MCV. Assim, os riscos ocupavam o lugar das costuras das meias decretadas.

    Importa salientar que esta atitude de descontentamento não foi pela implementação de um traje feminino (porque até era algo bastante ansiado por todas), mas sim por terem sido postas de parte na tomada de toda esta decisão que tornou obrigatório o traje feminino em muitas ocasiões importantes. Apesar disto, ao escrever o Código de 1957, o MCV decidiu manter o conteúdo deste “decretvs”, de forma a mostrar a sua posição firme.

    No entanto, a força feminina não deixou de se fazer sentir e continuou a ter a mesma intensidade até aos dias de hoje. Entre múltiplos exemplos, isto verifica-se com uma das mais recentes decisões do MCV da Academia de Lisboa. Em 2019, depois de mostrarem o seu desagradado com a ausência da opção do uso de calças no traje feminino e de apresentarem as suas justificações válidas a esta entidade, o MCV da Academia de Lisboa aprovou a opção do uso de calças de modelo feminino clássico no Traje Académico.

    Ainda assim, não devemos esquecer que estas vitórias não são transversais a todas as Academias e que, embora possam não estar expressamente regulamentados, ainda existem comportamentos e tradições discriminatórios na Praxe. Cabe-nos a todos refletir sobre a origem destes preconceitos, tanto no seio praxístico, como na sociedade atual, para que possamos combatê-los e defender os valores da Igualdade entre todos os estudantes.



"Foto da capa de um libreto-partitura do "Fado Serenata da Revista 1916"
(Revista portuguesa), da Casa Sassetti & Cª (Lisboa),
com as actrizes/coristas vestidas de estudantas.
com traje, pasta com fitas e tachinho na cabeça 1916
(Acervo de J.Pierre Silva)"

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