Trupes Académicas | O Antes e o Agora


As Trupes constituem uma tradição que atravessou séculos, tornando-se parte da cultura estudantil e património da sociedade académica. Surge da palavra francesa “troupe” e corresponde a um conjunto de estudantes responsáveis por zelar pela observância da Praxe, originalmente, na cidade de Coimbra, entre a meia noite e o primeiro toque matutino da Cabra do dia seguinte. 


A sua origem remonta aos Ranchos, grupos que, entre os séculos XVIII e XIX, agiam com profunda violência, aproveitando os benefícios do foro académico. Eram portadores de armas e realizavam emboscadas frequentes, resultando em vários crimes e desacatos que preocupavam a Corte. Alguns dos elementos destes grupos apenas se matricularam na Universidade para gozar do foro académico. Com a extinção do Foro Académico em 1834, foi criada a Polícia Académica em 1839, responsável por patrulhar a cidade de Coimbra, especialmente o campus universitário, com o objetivo de suster os desacatos provocados pelos estudantes em trupe. O fim das rondas noturnas e a extinção da Polícia Académica permitiram a massificação das trupes, uma vez que estas deixavam de estar sob o controlo da polícia académica, tendo, assim, mais liberdade nas suas investidas aos novatos. 


As trupes ordinárias nunca tinham menos de três elementos. Eram constituídas por quartanistas, putos e semiputos e chefiadas por dois putos diferentes ou por quartanistas e doutores de hierarquia superior. Um dos putos deveria ser de Direito ou Medicina. Formavam-se na Porta Férrea, na porta da Associação Académica de Coimbra ou na porta de uma República conhecida, com as três batidas habituais da moca ou da colher e “in nomem soleníssima praxis trupe formata est”. Podiam fazer-se acompanhar por um cão de fila, um Caloiro que não podendo falar, apenas serviria como bode expiatório, identificando outros Caloiros que pudessem encontrar durante a ronda. Para seu azar, caso não encontrassem um único Caloiro, as sanções recairiam sobre si.


De capa traçada e gorro na cabeça, assim que encontravam um Caloiro, perguntavam-lhe o que ele era perante a Praxe da Universidade de Coimbra e, de acordo com a resposta, aplicar-se-iam as sanções. Muitos eram os Caloiros que ainda nessa noite tinham de ir ao barbeiro, protegidos por um quartanista ou quintanista, para que não fossem castigados de novo caso se voltassem a cruzar com uma trupe. Os lentes, quando se apresentava na sua aula um Caloiro rapado, rapidamente percebiam que tinha estado fora de casa após o recolher obrigatório, podendo até penalizá-lo pela falta de empenho nos estudos. Assim, os professores viam o papel das trupes, em zelar pelos bons costumes, como parte essencial do processo educativo.


As trupes tinham então o seu caráter paternalista e pedagógico, zelando pelos estudos dos mais novos. No entanto, embora apregoassem essa sua boa intenção, o que se verificou até 1910 foi a continuação das práticas violentas e repressivas como a agressão de um estudante com uma moca em 1908 ou o acidente mortal de um aluno com um tiro em 1917.


Embora já em 1674 tenha surgido uma lei que proibia o uso de capa pela cabeça por qualquer cidadão, as ditas embuçadas, apenas a partir da década de 20 do século passado, as trupes alteraram o seu modus procendi: as embuçadas acabaram por desaparecer por serem consideradas um ato de cobardia, os castigos também se reduziram e o código de 57 passou a regulamentar e supervisionar a atividade das trupes.


Atualmente, as trupes são cada vez mais uma realidade pouco frequente na noite coimbrã, apenas com relatos esporádicos de episódios pontuais. No entanto, continuam a existir e a estar regulamentadas na versão atualizada, de 2022, do Código da Praxe da Universidade de Coimbra. A pandemia e, consequentemente, o confinamento tiveram a sua influência em várias tradições académicas e poderão ter contribuído também para a diminuição da formação de trupes. Assim o é em Coimbra. E em Lisboa, cidade com uma história académica de início mais recente e uma academia em ascensão?


Perpetuar uma longa tradição académica ou aboli-la pela possível perda de sentido prático? No Instituto Superior Técnico, as Trupes existem e preservam o seu caráter pedagógico e simbólico. Surge então a questão: como seriam e que papel teriam as trupes na nossa Casa e na Academia de Lisboa?






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