Insígnias de Praxe: A Colher
Na correria dos dias, não damos conta de que as Insígnias que nos rodeiam contam histórias e remetem para um passado repleto de misticismo, talvez distante da realidade Praxística atual. A Colher de Praxe faz parte de um conjunto de elementos emblemáticos, cuja origem, embora incerta, remete para práticas simbólicas.
Entre mitos, tradições e especulações, onde se encaixa a origem da Colher e qual a sua relação com o Estudante?
Calcula-se e, muitas vezes, estabelece-se uma ligação causal entre a colher de pau, utilizada por mendigos para pedir esmola, e a Colher de Praxe. Porém, esta origem não é completamente certa. Sabe-se que na Península Ibérica, desde a Idade Média, se praticava o costume da oferta de sopa a quem precisava, nos quais, possivelmente, se incluíam estudantes menos abastados. A colher de pau era, assim, utilizada como acessório, surgindo na aba do chapéu, no peito do vestuário ou mesmo em cestos, daqueles que procuravam sustento. Gírias como “Sopistas” que designavam os que, por falta de recursos, recorriam à distribuição gratuita de sopa, foram utilizadas para descrever os diversos pedintes, que compartilhavam somente entre si a pobreza ou a falta de engenho na gestão do pouco dinheiro que tinham.
No meio estudantil, surge em Coimbra, principalmente envergada por Veteranos. Talvez a proximidade às freguesias de Arganil e Lorvão tenha tido um papel preponderante na definição e identidade das colheres utilizadas na Academia, que seguiam os moldes tradicionais, de concha redonda e cabo cónico. A estas eram adicionadas fitas multicolores, legendas latinas e emblemas pintados.
Surgindo em diferentes tamanhos, eram, tal como as Mocas, guardadas religiosamente nos quartos dos estudantes, saindo à rua ao ombro ou empunhadas nas mãos dos Veteranos, aquando de cortejos e festividades alegóricas, o que pode ser testemunhado ainda nos dias de hoje, aquando das Latadas, por exemplo.
Somente em 1910, com a abolição da Palmatória, instrumento de punição favorito até então, a Colher ganha um novo destaque e uma nova função: estabelece-se a tríade simbólico-punitiva, Moca, Tesoura e Colher, imortalizadas no Código de Praxe da Universidade de Coimbra de 1957 como Insígnias de Praxe que serviram, essencialmente, para a aplicação de Sanções aos “Novatos” ou “Caloiros”. Assim, as palmatoadas deram lugar às Unhadas ou Colheradas, aplicadas com a Colher, cujo único substituto é, de acordo com a Tradição, o Sapato.
Para além desta nova função, outra que lhe está relacionada e ainda se regista nos dias de hoje, por exemplo na Academia do Porto, é o seu uso aquando da cerimónia do Batismo Académico, onde é utilizada para derramar água sobre a cabeça do Caloiro.
Na nossa Casa, contrariamente à Moca, é maioritariamente de uso singular, seguindo nas mãos do Dux Facultatis ou, por vezes, nas de outros membros da Comunidade Praxística, o que nos leva a associá-la a um outro significado, talvez mais atual, de representação da Praxe na FML.
Deste modo, apesar de possuir uma história considerável, a essência da Colher de Praxe não é estanque. Procurar conhecê-la é, afinal, dar vida ao passado e enriquecer o presente, lembrando-nos de que o que vemos todos os dias carrega em si um legado de memórias e significados que merecem ser descobertos.
Referências:
Coelho, Eduardo, Silva, Jean-Pierre, Sousa, João Paulo e Tavares, Ricardo. 2012. QVID TVNAE? A Tuna Estudantil em Portugal. Porto, Viseu e Lisboa: CoSaGaPe.
Andrade, Mário de (1957), Código da Praxe Académica de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora.
Comentários
Enviar um comentário